sábado, 31 de julho de 2010

quinta-feira, 8 de julho de 2010

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Último pedido

Quando eu morrer
me larguem numa chalana
cheia de palha...

Chamem os amigos da família.
Abram a bandeira do Rio Grande
e depois de um “gracias a la vida”
cantem a Ave Maria Pampeana..

Acendam velas...

Alguém pega uma delas
e tasca-lhe fogo,
e me joguem de jeito,
que na corrente eu ganho o leito.

Será o derradeiro recomeço,
eu num reencontro
e vocês enchendo com o rio
o peito.

Que todos os presentes
– meus amigos, meus parentes –
se abracem firme.
Mirem as chamas da estrela cadente,
levando semente da semente
na corrente da passagem.

Meu fim será um... fui.

Um foi-se flutuando e se apagando
na flor d’água.

Uma alma em fogo se afogando...
Abrandando aos poucos.

E quando todos, todos
verem a última faísca se arrefecer,
olhem para o céu
e para o fundo da noite
e verão mais uma estrela
feita do brilho de minhas cinzas.

Sangue do meu sangue

                               Para o poeta Ubirajara Raffo Constant

Somam-se cromossomos
e nós somos o que somos...

A genética
não erra...

   Fez madeira de lei
   o cerne do meu sangue.
   Falquejou-me a carne,
   argilou-me o crânio
   e saí igual ao meu mano.

A genética
não erra...

   É a reprodução do tempo
   lapidada na pedra.
   É a linhagem das glebas.
   Pedra da forma dos filhos.

   Fôrma dos rostos e corpos,
   mistura de grãos e códigos,
   a genética assemelha gestos e jeitos
   e ainda cria gêmeos idênticos.

   Me vejo no espelho
                       enquadrado:
   um empoeirado porta-retrato
   do meu velho pai,
   que hoje parece meu avô
   quando se foi
                       pra nunca mais..

   A genética é a herança
             encarnada na estampa.
   A imagem e a semelhança
             na face das crianças.

   Seguimos e seguiremos seguindo
   um caminho infinito,
   a saga de nosso sangue híbrido.
   Nas artérias genealógicas
   levamos o tutano da raça.

   Na árvore da história
   somos
             a seiva que vem das raízes
             para trazer o verde. Sempre...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ladrões de sebo

Ladrões de sebo
são jovens poetas
que empoeiram as mãos
em páginas velhas.

Ladrões de sebo
são colecionadores
de títulos e nomes;
amores e amigos.

São filhos da noite,
irmão do vinho.
Gostam de ouvir a chuva
dos vinis antigos.

Conhecem alguns acordes,
cantarolam pelas ruas,
se empedam de poesia
nas estações noturnas.

Moram em repúblicas
ou em apartamentos
com livros empilhados
fazendo o papel de parede.

Apagam as luzes elétricas,
acendem o fogo das velas,
vagalumeiam cigarros
e inventam neologismos.

Ladrões de sebo são prodígios.
Serão os próximos livros
a serem roubados do arquivo
por novos colecionadores.

Ladrões de sebo
declamam de braços abertos
anunciando aos quatros cantos,
na presença dos quatro ventos,
o verde acervo dos versos,
sarau
      dos mais velhos modernos.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Minha tapera

No tronco das árvores,
nomes gravados
a ponta de chave.

No topo das árvores,
ninhos abandonados.

E por toda parte
a sombra se faz de vento

e um som de folhas secas
com ares de lamento

me traz viejas lembranças...

Viejas histórias.
Janelas abertas.

Sobre tudo

Sobre a mesa, muitas coisas...

Um cabernet de Mendonza,
um maço de Malboro vermelho,
dois maços no cinzeiro...

O cálice pleno, um espelho...
Os versos acontecendo...

Desenha-se o pensamento
na fumaça que vai subindo...

Derramam-se pingos de vinho
no branco vivo do caderno aberto...

...e o fio do grafite
                 é língua de faca
                 lambendo cortes
                 é ferro em brasa
                 deixando marcas.

Vai trançando a forma dos versos
                 como se fossem tentos;
                 pequenos garranchos.

E mesmo sempre
                 abaixo do poema
sobretudo a mesa,
                 sustentando a cena.

O vinho é pão da poesia
                 na ceia das palavras.

Segundo

Se todos os pedreiros do mundo
batessem seus martelos
           ao mesmo tempo...
Se todos os poetas do universo
declamassem seus versos
           ao mesmo tempo...
Se todos os tambores da terra
rufassem seus galopes
           ao mesmo tempo...
Se todas as frases do planeta
fossem uma só letra
           ao mesmo tempo,
seriam todas as letras ao vento
no sopro de todas as notas
           ao mesmo tempo...

Se todas as chuvas
e todas as secas,
todas as luas
e todos os sóis
fossem tempo
            ao mesmo tempo...

Se todos telefones e despertadores
despertassem seus grilos
            ao mesmo tempo...
Se toda voz engasgada
falasse seu silêncio
            ao mesmo tempo...
Se toda corda enferrujada
estourasse num bordoneio
            ao mesmo tempo..
Se todo quadro verde
fosse apagado e escrito
            ao mesmo tempo...
Se todas as torneiras tristes
abrissem suas lágrimas
            ao mesmo tempo...
Se a circulação do sangue
fosse o ponteiro maior
no mesmo compasso em todos
            e ao mesmo tempo...
E se o todo tempo fosse tempo
            ao mesmo tempo...
Tudo aconteceria
            no mesmo tempo...
E a história do mundo
teria apenas um supremo
                                   segundo.

Pro fundo

                              Para o poeta Daniel Queiroz

No fundo do mundo – o sul.
No coração do sul – o Rio Grande,
onde borbulha o meu sangue
feito de lágrima e luz.

Na superfície do sul – o rio,
a pampa, o céu (o verde e o azul).
Na superfície do rio – o fundo do céu.
No fundo do rio – o fundo do meu eu.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Ilha

Sou Ilha plantada no leito do rio.

Fez-me forma de América,

a água que faz seu caminho.

Fiz-me forma de América

nas mãos da correnteza.

Mas eu, Ilha, sou a proeza

de onde haja rio antes ou depois

de mim, o rio é um (o rio é um!),

mas eu, Ilha, faço o rio ser dois...

Mesmo que volte a ser um outra vez.
 

Sonhos

Os espíritos
fazem junção
no meu quarto
enquanto durmo.

Pé sujo

Sem
as frescuras do erudito...

A bacudice.
   O gosto da secura
   do bolso popular.

 

Morrer em sonho

Sonhei que perdia os dentes,
estavam todos por um fio.
Estávamos.

A arcada dentária
era dentadura dependurada.
E como balançava!

E eu balançava com ela.

Quando vi,
pude ver revivida
toda a minha vida...

Não havia saliva.
E eu mordia meus dentes
com a minha gengiva.

Branco

A folha-papel
é o branco
da memória.

Nela,
me esqueço...

Derramado
na reticência
nos versos...

Morro faceiro.
Afogado no raso.

E renasço
no ponto final.

Longe

Cismo e persigo
Sigo insistindo
Vou seguindo
Vou indo solito

Assim,
  caminho
  campeando
  o caminho
  que não sei

Longe
Longe de mim
Longe
     como o fim

Longe
do que havia
de algo em mim

O homem do saco

Empacotado num saco plástico
um homem
Dormindo num banco de praça
um homem
                    num saco plástico

Parece um grande saco de lixo,
parece que se mexe com vento
retorcendo-se lá dentro,
vivente de frio e sereno.

Empacotado
num saco plástico transparente,
um homem transparente.

Eu mesmo

Pampa imenso
que se esconde
em meus adentros...

Tão pequeno.
Se reduz
a um sentimento
gigantesco.

Cabe dentro do peito.

Carrego cada confim
deste pampa infinito,
limitado apenas a mim
e até onde ecoa
                o meu grito.